Isso nunca foi um blog. A ideia desde o começo era a de fazer um livro. E ele está feito. Cada postagem é uma página, ou um poema, compondo um fio condutor que foi imaginado muito antes da existência deste blog. Apesar de ser um livro de poesia, "Diálogo de Sombras" conta uma história, narra uma vida que começa e termina na juventude, embora nesse tempo o personagem experimente todas as fases de qualquer existência que se estendesse até a terceira idade.
A inspiração para esse livro que as circunstâncias transformaram em blog foi a história do The Doors. Parece um motivo menor para se pensar um livro de poesia, mas a trajetória da banda me chama a atenção desde a adolescência (quando concebi esse projeto). Para mim, os seis discos contam uma vida que parece se iniciar aos 22 e termina aos 27. Estão lá a intensidade, a urgência, as descobertas dos primeiros anos de vida e as dores, decepções, perdas da idade adulta. Tentei reproduzir, ou externalizar, com minhas palavras e maneira, as sensações que aqueles seis discos me causam. Cada poema seria uma música. A epígrafe denuncia a referência (ou inspiração). Segui a ordem das músicas nos discos, na discografia. Muitas não ganharam "versão-Diálogo-de-Sombras" - seja por que não vi sentido em vertê-las para esse formato, seja por que não consegui, ou ainda por que não acrescentariam nada ao "enredo".
É claro que nunca pretendi que nenhum poema tivesse o vigor da música que o inspirou, mas que seus versos pudessem ao menos transmitir as impressões ou atmosfera que as músicas tinham para mim. Não sei se consegui. Música é subjetiva. Poesia também. Mas acho que contei a história que quero desde os 16. Com minhas palavras, na oportunidade que tive.
E assim encerro o diálogo com as minhas sombras.
Diálogo de Sombras
"Diante do medo um sorriso aeróbico / Nas bochechas a cãibra de uma alegria incompleta / Nada como um sorriso burro e paranóico / Para não perceber a velocidade terrível da queda" - Lobão, A Queda
segunda-feira, 7 de julho de 2014
quarta-feira, 2 de julho de 2014
Nossos olhos enfrentam com seriedade suas enchentes
"Into this house we're born
Into this world we're thrown"
Jim Morrison, "Riders on the Storm"
onde estamos?
para onde vamos?
para onde vamos?
fingimos não saber
que não pode existir músicana inércia do ar
e nos fazemos de conformados
em ter os olhos condenados
a um horizonte retorcido
pela arquitetura
de traçado incerto
paramos onde?
perto ou longe
de onde queríamos estar?nos fazemos de satisfeitos
nesses delírios
velhos e gastos
que nos acompanham por décadas
espremidos
nossos sonhos esqueléticos nos acename fingimos que não é com a gente
nossos olhos enfrentam com seriedade suas enchentes,
não se enchem de emprestar cor ao cinza de toda hora escura -
e não aceitam outra moldura
senão a poesia
vestida de amizade
virtude
loucura
sexta-feira, 13 de junho de 2014
Paraíso Incinerado
era assim
lágrimas de verão sob céus radiantes
nada de indicadores apontando horizontes em ruínas
ela veio
com lava nas veias
ocupando os cômodos do espírito
era outra lua
em uma época em que o sol trazia tardes de música e euforia
manhãs sem cicatrizes
livros pintados de raios de sol
janelas emoldurando uma satisfação inabalável
um reino de rosas e vinho tinto
e ela
vinha
comigo
e antes que o escuro alcançasse o teto do mundo
como veio
foi
embora
ela e aquele sentimento
agora
portas fechadas e janelas pouco receptivas ao sol da tarde
lágrimas de verão sob céus radiantes
nada de indicadores apontando horizontes em ruínas
ela veio
com lava nas veias
ocupando os cômodos do espírito
era outra lua
em uma época em que o sol trazia tardes de música e euforia
manhãs sem cicatrizes
livros pintados de raios de sol
janelas emoldurando uma satisfação inabalável
-entre os que acreditavam no Cristo redentor
e os que cultuavam a destruição gratuita
eu sussurrava serenidade -
um reino de rosas e vinho tinto
e ela
vinha
comigo
e antes que o escuro alcançasse o teto do mundo
como veio
foi
embora
ela e aquele sentimento
agora
portas fechadas e janelas pouco receptivas ao sol da tarde
pouco dispostas a deixar
o vento entrar
e faço malabarismos
com memórias e impressões
e te convido
para dialogarmos como sombras
depois que a meia-noite
perder a língua
e veja se aparece
para visitarmos
o paraíso incinerado -
onde talvez ainda haja
algum vestígio
da nossa festa
domingo, 11 de maio de 2014
Só espero
Manhã amuada e medrosa.
Sem nuances, sem nuvens, sem nada.
Normal. Só uma manhã.
Nenhum som
e o arrastar do silêncio pelos cômodos.
Nenhum bicho de estimação...
Só espero que o telefone toque
e seja a tarde -
trazendo uma brisa que me toque
e me inspire
suspiros.
Sem nuances, sem nuvens, sem nada.
Normal. Só uma manhã.
Nenhum som
e o arrastar do silêncio pelos cômodos.
Nenhum bicho de estimação...
Só espero que o telefone toque
e seja a tarde -
trazendo uma brisa que me toque
e me inspire
suspiros.
domingo, 20 de abril de 2014
Chegou e se instalou no meu peito
"Well, I've been down so Goddamn long
That it looks like up to me",
Jim Morrison, "Been down so long"
sem dizer ao que veio
chegou e se hospedou no meu peito
sem cerimônia
na moral
sem mais nem menos
essa tristeza se instalou de um jeito
que sem ela hoje
até me sinto mal
domingo, 13 de abril de 2014
Talvez mais do que devia
"Don't you love her madly?
Don't you love her face?
Don't you love her as
She's walkin' out the door
Like she did one thousand times before?"
Rob Krieger, "Love her Madly"
te chamo e te reclamo
te declamo
versos água com açúcar
abaixo a guarda
abaixo a guarda
e aguardo
crente de que acabou a luta
crente de que acabou a luta
a disputa
por um lugar ao sol
por um lugar ao sol
e e s p a r r a m a d o n a t u a c a m a
d e r r a m a d o n o t e u l e n ç o l
noite e dia
penso que amo
d e r r a m a d o n o t e u l e n ç o l
noite e dia
penso que amo
talvez mais do que devia
domingo, 6 de abril de 2014
Já fui (tanta coisa)
já fui o lado de lá –
dos prazeres decadentes
já fui do lado de cá –
dos sorrisos, cumprimentos, palavras decentes
já fui luz e sombra
o acordo de paz e o pavio da bomba
equilibrista brincando na corda bamba
e o medroso preso à terra firme e com nojo do mar
já fui amante da lua
e acompanhante da luz do dia
rosto na multidão do centro
e pedestre nas ruas da periferia
o endereço do prazer
o endereço do prazer
e a encarnação do pesar
guia no labirinto
guia no labirinto
e veneno água absinto
já fui motivo para lágrimas
e razão pra festa
esboço
e resultado do trabalho de aparar as arestas
razão para desespero
e motivo de sucesso de plano
já fui vi e venci
já fui pelo cano
já fui rocha indiferente à luz do sol
e par de olhos a que tudo no mundo comove
já fui tanta coisa e sempre o mesmo -
me-
ta-
mor-
fo-
se
mor-
fo-
se
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